domingo, 29 de agosto de 2010
Programados para morrer
Por Paulo Brito
Baseado em depoimentos reais
Baseado em depoimentos reais
Leonardo Ventura (nome fictício) se considera um fanático pelo Fluminense. Morador do Rio Cumprido, bairro da zona norte do Rio, próximo da Tijuca, ele marca presença em todos os jogos do clube do coração, no Maracanã. Na perna esquerda, ostenta uma tatuagem nada discreta: um dragão envolvendo o escudo tricolor, sinalizando na própria pele o sentimento que nutre pela equipe das Laranjeiras. Em seu peito, um instinto de adrenalina que o incentiva a viver e que pode levá-lo à morte a qualquer momento.
São 14h de um domingo de 2010. Léo tem uma missão. Após se reunir com seus companheiros, num núcleo da Torcida Organizada (T.O) a que pertence, surge um novo plano para evitar a emboscada de torcedores rivais. Assim, reacende, também, a expectativa de fazer com que os rivais provem do próprio veneno, emboscando-os. A ideia que prevalece é a de um bumerangue, porém sem ser atingido pelo artefato, ou seja, um contra-ataque. Léo, embora só faça parte deste mundo de T.Os há dois anos, já tem, internalizado, que, em raríssimas ocasiões, um membro de sua "seita é pego de surpresa. Caso aconteça, deve-se sempre estar preparado para a "guerra".
Faltam cerca de quatro horas para o início da partida do Fluminense. Há pouquíssima movimentação nos arredores do Estádio Mário Filho. Quem chega neste horário são os inúmeros integrantes das mais diversas Organizadas do Flu. É dia de mosaico. Foram mais de uma semana de planejamento, doações entre os torcedores comuns e uniformizados e uma logística que beira o profissionalismo. O intuito é promover outra celebração grandiosa, saudando os jogadores. Aos poucos, um balé de balões e bandeiras dançam diante do portão de entrada do "Maior do Mundo", esperando o instante para se transformarem, junto com os cânticos de incentivo, protagonistas desta tarde ensolarada.
Léo não pôde ajudar na preparação da festa, mas tinha desenvolvido uma bandeira em homenagem ao seu ídolo, Darío Conca. Aliás, o seu talento como desenhista lhe garantia certa notoriedade entre os participantes da Uniformizada que defendia – literalmente falando. Por isso, tinha o apelido de "Mãos de Ouro".
Junto com o "bonde", ele se dirigia a pé pro Maraca. Por volta de 40 minutos de caminhada e muitas esquinas pelo caminho. Quem faz parte de determinadas Organizadas sabe: cada uma dessas esquinas pode esconder um inimigo em potencial, alguém que queira responder a uma suposta covardia, que se sente o herói, um soldado. Às vezes, os confrontos acontecem com data marcada. Na visão de muitos, sobretudo daqueles que estão na linha de frente dos marchantes, é gostoso aquecer os punhos nas faces alheias. Mas, claro, na dúvida sempre é bom ter uma arma para garantir, seja ela de fogo ou uma pedra. Isso não é uma regra, mas os que fogem dela, não costumam formar exércitos na "pista", têm medo ou, simplesmente, respeito à vida.
Aquele dia seria inesquecível para Léo. Caminhando com os companheiros, cantando as músicas do "bonde", sentia uma energia que o consumia. Estava ansioso. Sabia que os rivais estavam com a mesma vontade que a dele: um confronto para esticar os músculos, uma espécie de aquecimento. Era a primeira parte do duelo: as outras duas seriam na arquibancada – no berro - e pós-jogo. Faltava algo em torno de 700m para chegar à Estátua do Bellinni. Muito policiais à vista. E daí? O encontro, finalmente, aconteceu.
De um lado para o outro, músicas ofendendo os rivais, chamando-os para um "mano a mano coletivo". Não demorou muito. Correria generalizada. A policia observara que daria merda. Chamaram reforços. Enquanto isso, um aglomerado de punhos, madeiras e pedras, surgem como chuva. O tempo estava quente, porrada pra todos os lados. Um dos integrantes dos rivais carregava uma caixa com vários coquetéis molotov. Seus companheiros o arremessaram contra a Uniformizada do Fluminense e na direção de um carro da polícia. Foi o estopim. Rapidamente, a PM respondeu com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Aquela batalha estava próxima do fim, mas os grito e passos descompassados não tinham previsão de término.
Quando a fumaça abaixou, uma triste visão: perto de um poste de luz, na frente de um bar de esquina, estava Léo, caído. Alguns "amigos", meio baqueados, se aproximaram e viram o rapaz gemendo de dor, tremendo, com o rosto ensanguentado. Ele havia levado alguns golpes de madeira na direção da face. Estava com três ou quatro dentes quebrados e um rasgo enorme no supercílio direito. Sussurrava. A ambulância chegou 20 minutos depois e o carregou para o hospital mais próximo. Os "amigos" que conseguiram escapar ilesos, daqui a pouco, iriam para o estádio gritar o nome do time e contar o ocorrido para outros membros de outros "bondes" da T.O.
Quatro dias depois, Léo recebeu alta do hospital. Como um herói, foi recepcionado por dezenas de parceiros de "bonde". A cara dele ainda estava bastante inchada, cheia de curativos. Seu sorriso, incompleto. Iria procurar um cirurgião dentista somente na outra semana e o rateio entre a galera da Uniformizada, caso a grana não desse, para ajudar na reconstituição dental, estava praticamente garantido. "Mãos de Ouro" se sentia pronto para a próxima batalha. Mas deveria ficar em repouso por, pelo menos, mais duas semanas.
Quem disse que ele respeitaria a recomendação médica? Na semana seguinte teria outro clássico e ele queria participar da festa, do início ao fim. E assim o fez. "Mãos de Ouro" ainda desperdiça a habilidade de suas mãos, em rostos desconhecidos. Volta e meia, também troca a caneta e o lápis pelo vidro e pelas circunstâncias que ele e seus “amigos” criaram. Agora, além da tatuagem na perna esquerda, tem outras marcas para lembrá-lo daquilo que é e pertence: uma cicatriz no rosto e o desejo de vingança rabiscado no coração. Os desenhos... bom, estes ficam para depois que a adrenalina baixar.
São 14h de um domingo de 2010. Léo tem uma missão. Após se reunir com seus companheiros, num núcleo da Torcida Organizada (T.O) a que pertence, surge um novo plano para evitar a emboscada de torcedores rivais. Assim, reacende, também, a expectativa de fazer com que os rivais provem do próprio veneno, emboscando-os. A ideia que prevalece é a de um bumerangue, porém sem ser atingido pelo artefato, ou seja, um contra-ataque. Léo, embora só faça parte deste mundo de T.Os há dois anos, já tem, internalizado, que, em raríssimas ocasiões, um membro de sua "seita é pego de surpresa. Caso aconteça, deve-se sempre estar preparado para a "guerra".
Faltam cerca de quatro horas para o início da partida do Fluminense. Há pouquíssima movimentação nos arredores do Estádio Mário Filho. Quem chega neste horário são os inúmeros integrantes das mais diversas Organizadas do Flu. É dia de mosaico. Foram mais de uma semana de planejamento, doações entre os torcedores comuns e uniformizados e uma logística que beira o profissionalismo. O intuito é promover outra celebração grandiosa, saudando os jogadores. Aos poucos, um balé de balões e bandeiras dançam diante do portão de entrada do "Maior do Mundo", esperando o instante para se transformarem, junto com os cânticos de incentivo, protagonistas desta tarde ensolarada.
Léo não pôde ajudar na preparação da festa, mas tinha desenvolvido uma bandeira em homenagem ao seu ídolo, Darío Conca. Aliás, o seu talento como desenhista lhe garantia certa notoriedade entre os participantes da Uniformizada que defendia – literalmente falando. Por isso, tinha o apelido de "Mãos de Ouro".
Junto com o "bonde", ele se dirigia a pé pro Maraca. Por volta de 40 minutos de caminhada e muitas esquinas pelo caminho. Quem faz parte de determinadas Organizadas sabe: cada uma dessas esquinas pode esconder um inimigo em potencial, alguém que queira responder a uma suposta covardia, que se sente o herói, um soldado. Às vezes, os confrontos acontecem com data marcada. Na visão de muitos, sobretudo daqueles que estão na linha de frente dos marchantes, é gostoso aquecer os punhos nas faces alheias. Mas, claro, na dúvida sempre é bom ter uma arma para garantir, seja ela de fogo ou uma pedra. Isso não é uma regra, mas os que fogem dela, não costumam formar exércitos na "pista", têm medo ou, simplesmente, respeito à vida.
Aquele dia seria inesquecível para Léo. Caminhando com os companheiros, cantando as músicas do "bonde", sentia uma energia que o consumia. Estava ansioso. Sabia que os rivais estavam com a mesma vontade que a dele: um confronto para esticar os músculos, uma espécie de aquecimento. Era a primeira parte do duelo: as outras duas seriam na arquibancada – no berro - e pós-jogo. Faltava algo em torno de 700m para chegar à Estátua do Bellinni. Muito policiais à vista. E daí? O encontro, finalmente, aconteceu.
De um lado para o outro, músicas ofendendo os rivais, chamando-os para um "mano a mano coletivo". Não demorou muito. Correria generalizada. A policia observara que daria merda. Chamaram reforços. Enquanto isso, um aglomerado de punhos, madeiras e pedras, surgem como chuva. O tempo estava quente, porrada pra todos os lados. Um dos integrantes dos rivais carregava uma caixa com vários coquetéis molotov. Seus companheiros o arremessaram contra a Uniformizada do Fluminense e na direção de um carro da polícia. Foi o estopim. Rapidamente, a PM respondeu com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Aquela batalha estava próxima do fim, mas os grito e passos descompassados não tinham previsão de término.
Quando a fumaça abaixou, uma triste visão: perto de um poste de luz, na frente de um bar de esquina, estava Léo, caído. Alguns "amigos", meio baqueados, se aproximaram e viram o rapaz gemendo de dor, tremendo, com o rosto ensanguentado. Ele havia levado alguns golpes de madeira na direção da face. Estava com três ou quatro dentes quebrados e um rasgo enorme no supercílio direito. Sussurrava. A ambulância chegou 20 minutos depois e o carregou para o hospital mais próximo. Os "amigos" que conseguiram escapar ilesos, daqui a pouco, iriam para o estádio gritar o nome do time e contar o ocorrido para outros membros de outros "bondes" da T.O.
Quatro dias depois, Léo recebeu alta do hospital. Como um herói, foi recepcionado por dezenas de parceiros de "bonde". A cara dele ainda estava bastante inchada, cheia de curativos. Seu sorriso, incompleto. Iria procurar um cirurgião dentista somente na outra semana e o rateio entre a galera da Uniformizada, caso a grana não desse, para ajudar na reconstituição dental, estava praticamente garantido. "Mãos de Ouro" se sentia pronto para a próxima batalha. Mas deveria ficar em repouso por, pelo menos, mais duas semanas.
Quem disse que ele respeitaria a recomendação médica? Na semana seguinte teria outro clássico e ele queria participar da festa, do início ao fim. E assim o fez. "Mãos de Ouro" ainda desperdiça a habilidade de suas mãos, em rostos desconhecidos. Volta e meia, também troca a caneta e o lápis pelo vidro e pelas circunstâncias que ele e seus “amigos” criaram. Agora, além da tatuagem na perna esquerda, tem outras marcas para lembrá-lo daquilo que é e pertence: uma cicatriz no rosto e o desejo de vingança rabiscado no coração. Os desenhos... bom, estes ficam para depois que a adrenalina baixar.
Comentários:
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Triste episódio... Eu tenho 13 anos e frequento muito o Maracanã, me lamento a cada dia por essa bobagem de brigar por futebol um esporte de alegrias. Eu inclusive estava no clássico entre Fluminense e Vasco, meu pai só conseguiu achar vaga longe do estádio, por isso acabei presenciando um confronto entre organizadas do Vasco e do Fluminense, andei os 300m com medo pra só dps ver meu time jogar... Lamentável.
Triste, lamentável e covarde. Espero um dia ver todos esses marginais, tricolores e de todos os outros times, presos. Isso nunca sera amor ao time. Será apenas vandalismo e banditismo. O que os diferencia de um bandido ou traficante? NADA!!!
ST
ST
Caro anônimo,
você está coberto de razão. Outro fator triste disto é que muitas pessoas, preocupadas apenas com o espetaculo das arquibancadas, acabam tendo o nome da Organizada que participam manchado devido às gangues que se infiltram nesse meio.
você está coberto de razão. Outro fator triste disto é que muitas pessoas, preocupadas apenas com o espetaculo das arquibancadas, acabam tendo o nome da Organizada que participam manchado devido às gangues que se infiltram nesse meio.
Lamentável a atitude dessas pessoas. Enquanto jogadores estão ganhando milhões e milhões de reais, dólares ou euros, eles estão se matando.
Quando que vão parar para pensar que isso não leva a lugar nenhum, e que a cada dia que passa dessas brigas, eles não adquirem conhecimento, cultura, e nada! Apenas uma nova chance de perder a vida, com uma briga inútil.
Viva os movimentos populares! E que o Futebol volte a ser apenas um esporte dentro de campo.
Quando que vão parar para pensar que isso não leva a lugar nenhum, e que a cada dia que passa dessas brigas, eles não adquirem conhecimento, cultura, e nada! Apenas uma nova chance de perder a vida, com uma briga inútil.
Viva os movimentos populares! E que o Futebol volte a ser apenas um esporte dentro de campo.
Belíssimo texto, já participei de TO e realmente foi muito bem descrita essa situação típica e corriqueira para as TO's em dia de clássico.
Que Deus ilumine todas essas mentes jovens e façam enxergar a besteira que estão fazendo.
Mais uma vez, excelente texto.
Que Deus ilumine todas essas mentes jovens e façam enxergar a besteira que estão fazendo.
Mais uma vez, excelente texto.
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